Há uma frase que ecoa como profecia nas fronteiras da fé: “A única coisa que Jesus parecia excluir era a própria exclusão.” Dita por Richard Rohr, essa sentença é mais do que uma síntese teológica — é um chamado escandalosamente gracioso ao coração do Evangelho inclusivo de Jesus de Nazaré. A radicalidade dessa afirmação é a mesma que pulsava nos encontros do Cristo com os corpos marginalizados, com as vozes silenciadas, com os rostos esquecidos pela religião normativa de seu tempo. Em cada gesto de acolhimento, em cada milagre feito à margem, Jesus desmantelava as cercas da exclusão e plantava jardins de pertencimento.
Na tradição da Igreja da Comunidade Metropolitana, aprendemos que o centro do Evangelho não é um dogma, mas uma mesa. E essa mesa está sempre sendo ampliada. O pão nunca falta, o vinho nunca escasseia, porque o amor é a substância que transborda do cálice da comunhão. Jesus não veio selecionar os “puros”, mas revelar que não há impureza que o amor não possa abraçar e transformar. Aqueles que foram rotulados como “impróprios”, “inadequados”, “pecadores”, “perversos” — LGBTQIA+, mulheres silenciadas, pessoas negras, corpos com deficiência, pobres, pessoas vivendo com HIV — foram precisamente os que Jesus escolheu para ser espelhos vivos da graça.
Exclusão é uma heresia. É a negação do Cordeiro que se entregou por todos. Quando a fé se torna instrumento de afastamento, ela deixa de ser boa nova e se torna má notícia — deixa de ser evangelho e se torna ideologia de controle. Mas Jesus subverteu esse modelo desde dentro. Ele tocou leprosos, dialogou com samaritanos, celebrou a fé de centuriões romanos, acolheu mulheres em pleno espaço público, permitiu que corpos excluídos o tocassem — e nunca exigiu certificação moral ou conformidade normativa. O critério era um só: a abertura ao encontro.
Na teologia queer, essa prática de Jesus nos desafia a ver além das estruturas fixas de gênero, sexualidade e santidade. O Cristo queer transgride a lógica binária e heteronormativa da salvação. Ele aparece onde não esperamos: como o estranho na estrada, como o amigo em quem não reparamos, como o transgressor dos costumes que se torna revelação divina. Quando dizemos que “Jesus excluía a exclusão”, estamos dizendo que todo sistema que marginaliza o outro — por sua identidade, sua carne, sua fé, seu corpo, seu desejo — é um sistema que precisa ser crucificado para que a ressurreição do amor possa acontecer.
Hoje, como comunidades de fé que desejam viver à imagem desse Cristo inclusivo, somos chamados a uma conversão profunda: deixar de ser guardiões da porta e nos tornarmos construtores de pontes. Ser Igreja não é defender limites, mas cultivar possibilidades. Não é vigiar quem entra ou sai, mas preparar a festa para quem chega. Não é policiar identidades, mas celebrar existências.
Na ICM, cremos que a exclusão já foi derrotada na cruz. E que a ressurreição não é uma doutrina, mas uma prática de restauração diária. Cada vez que amamos alguém que a religião condenou, ressuscitamos. Cada vez que acolhemos sem exigir pré-requisitos, ressuscitamos. Cada vez que olhamos para nós mesmos com ternura, mesmo nas nossas sombras, ressuscitamos.
Porque, no fim, a boa nova é esta: não há lugar onde o amor de Deus não possa chegar. E Ele ama em nós, deliciosamente.
Texto produzido por: Rev. Christiano Valério
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